segunda-feira, 29 de novembro de 2010

LEIAM ANTES QUE VIRE PÓ

Keith (kif) Richards lançou sua autobiografia. Vida, Ed. Globo está sendo lançado no Brasil, 600 páginas, veijem o que o Zeca camargo diz por sobre:


Você, talvez como eu, também duvidava que Keith Richards seria capaz de lembrar de momentos marcantes para contar numa biografia? Pois não se preocupe: com a ajuda do jornalista James Fox, “Vida” é um dos mais deliciosos livros que li este ano – e parte desse encanto tem a ver com o fato de você ter que se convencer o tempo todo que aquelas histórias, nunca menos que fantásticas, não são ficção…
A começar pelo primeiro capítulo, que traz, de cara, um episódio em que Keith, seu colega de Stones Ronnie Wood, e mais um amigo são presos por envolvimento com drogas, em 1975, enquanto cruzava o estado norte-americano de Arkansas. “Envolvimento”, aliás, é pouco: os caras tinham drogas jorrando pelos poros – sem falar do que estava escondido no carro. A polícia, no entanto, sabia que tinha umas figuras meio “famosas” nas mãos, e sem decidir se era mais importante colocar todo mundo na cadeia para “dar o exemplo” (na época, acredite, eles não eram muito bem-vindos nos Estados Unidos) ou evitar a enorme repercussão que o caso inevitavelmente traria. Não vou contar o desfecho porque tenho certeza que você vai se divertir tanto com a história quanto eu. Mas quero só ressaltar que a escolha desse episódio para abrir o livro não poderia ser mais feliz, pois ele dá o tom das centenas de páginas que vem em seguida: honesto, íntimo, pessoal, bem-humorado e até leve. Especialmente quando se leva em conta que, aos ingredientes básicos de qualquer boa história de roqueiro – sexo, drogas e rock n’roll – Keith acrescenta mais uma sem qualquer cerimônia: armas!
Tudo de mais bizarro que você pode imaginar que acontece nos bastidores de uma banda como os Rolling Stones, bem, acontece. E depois vem as coisas que você nem imagina! Pelas páginas “Vida”, você encontra casos escabrosos o suficiente para, se não chocar, pelo menos enrubescer  mesmo o mais devasso dos “roadies”. Mas isso, acredite, não é nem o melhor do livro…
O que mais divertiu esse fã tardio dos Stones – confissão: só comecei a me apaixonar pela banda no final dos anos 70 – foi o olhar de Keith sobre as pessoas a sua volta. Mick Jagger, nesse sentido, é, claro, a atração principal (já falo mais disso). Mas preciosas observações brotam também da dinâmica da banda – em suas diferentes formações –, e sobretudo sobre sua família. Mamãe e papai, Doris e Bert, são constantemente citados. Ela, pela curiosa inspiração musical (Richards tocou “Malagueña” para Doris no seu leito de morte); e ele pela relação interrompida e retomada, contada com tanto carinho, que a gente quase acredita na versão que ele dá para a notícia de que ele teria cheirado as cinzas de Bert (que, ele garante, não estava misturada com cocaína). Quase.
Keith também é generoso com a família que veio depois. Se você acha que tem uma relação conjugal tumultuada, recomendo em especial a leitura dos conflitos do Stone com sua primeira mulher, Anita – você nunca mais vai reclamar de nada! Pasme: segundo Richards, ela conseguia consumir drogas em quantidades cavalares (e olha que para ele dizer isso…). Por toda a loucura que era o casamento, eles até que ficaram juntos um bom tempo – e superaram até mesmo a morte do segundo filho, com pouco mais de dois meses de vida. Tara teria mais de trinta anos hoje, e Keith admite que ele não sai de sua cabeça. Para ambos, Keith tem palavras de carinho – à sua maneira. Sobre Tara:
“Nunca cheguei realmente a conhecer o filho da puta. Talvez tenha trocado a fralda dele umas duas vezes (…) Mas deixar um recém-nascido é algo que não posso me perdoar”.
Sobre Anita:
“Hoje em dia Anita e eu podemos sentar no Natal com nossos netos e trocar um sorriso perplexo: ‘Oi, sua vaca velha e idiota, como estão as coisas?’. Anita agora está bem. Ela se tornou um espírito benigno. É uma avó maravilhosa. Conseguiu sobreviver. Mas, querida, as coisas poderiam ter sido bem melhores”.
Keith separou-se dela depois de um inacreditável incidente que envolvia Anita, seu filho Marlon (ainda adolescente), um namorado de Anita de 17 anos, uma roleta russa e alguns miolos no chão da mansão onde eles moravam. O episódio é tão sinistro, que você entenderia se Keith não quisesse nunca mais casar com alguém. No entanto, as mulheres não paravam de passar por sua vida. Como ele conta a certa altura do livro, a iniciativa era sempre delas: “Eu nunca dei uma cantada numa garota na minha vida. Simplesmente não sei como fazer”. Seu sucesso com as mulheres sempre o deixava surpreso. A melhor evidência disso, foi o texto que ele mesmo escreveu num diário, quando conheceu sua atual mulher, Patti Hansen:
“Parece incrível, mas eu encontrei uma mulher. É um milagre! Transas eu consigo num estalar de dedos, mas eu encontrei uma mulher! Inacreditavelmente, ela é (fisicamente) o espécime mais lindo do PLANETA! Mas não é só isso! É claro que a beleza ajuda, mas é a cabeça dela, sua alegria de viver e (miraculosamente) ela acha que esse junkie acabado é o cara que ela ama”.
Incrível mesmo, mas foi Patti que “deu jeito” no tal “junkie acabado”… Na entrevista com ele, esse foi nosso primeiro assunto – inevitavelmente, talvez. Keith parece estar mudado, “limpo”, e quer convencer você de que não quer mais emplacar a imagem do cara decadente que, aliás, ele mesmo ajudou a formar. Veja este outro trecho de “Vida”:
“A imagem é como uma longa sombra. Mesmo quando o sol se põe, ela continua ali. Acho que uma parte disso vem de haver uma pressão para você ser aquela pessoa a qual e tornou, talvez até o ponto em que você não possa suportar. É impossível não acabar por ser uma paródia do que você pensou que era”.
Keith Richards, arrependido? Dificilmente. Mesmo sobre esse passado de drogas pesadas – as mais “punks” ele garante que abandonou há anos – ele não tem problemas em assumir seu “currículo junkie”… Nesse sentido, sua carreira (com duplo sentido, por favor!) começou logo depois de os Stones estourarem: “E claro, no início de 1965, começo a ficar chapado – um hábito de vida inteira”… Mais adiante, já nos anos 70, quando as drogas faziam parte da rotina, ele assume: “Se eu contasse o número de vezes em que me virei e vomitei atrás dos amplificadores ninguém acreditaria” (em seguida, conta que Mick e Ronnie também eram bons nisso). Até que um dia ele chega à conclusão óbvia: “A maioria dos junkies se torna idiota. Foi isso que eventualmente me fez mudar de vida”. E acrescenta: “Ninguém se torna um herói só porque usa drogas. Herói é quem consegue se livrar delas”.
Só existe um assunto no livro sobre o qual Keith fala com mais entusiasmo do que as drogas – a música. “São bebês”, escreve ele, justificando que algumas de suas composições já tem 35 anos e “eu ainda não as terminei”… Confessa ainda que “Satisfaction” é uma música “danada” de tocar no palco: “Por anos e anos nunca a tocávamos”. E admite que “Exile in main st.” talvez tenha sido a melhor coisa que os Stones já fizeram. Além de desfilar uma verdadeira árvore genealógica de músicos do século 20 – e alguns do 21! -, Keith ainda esbanja referências musicais em todos os capítulos (não se esquece nem do mega show na praia de Copacabana, em fevereiro de 2006 – um dos maiores da história do rock). “Tudo que sei, aprendi com os discos”, assume.
Os discos só não ensinaram Keith a ter uma boa relação com Mick Jagger… Aliás, foi por causa dos discos, ou ainda, da música, que a relação maravilhosa que eles tinham começou a degringolar. Quer uma prova só, entre tantas que ele dá no livro? “A grande traição de Mick – que eu acho difícil perdoar, uma atitude que pareceu quase deliberadamente planejada para acabar com os Rolling Stones – foi quando ele anunciou em março de 1987 que estaria saindo numa turnê do seu segundo álbum, ‘Primitive cool” (no lugar de fazer uma excursão com a banda). “Era um tapa forte demais na nossa cara”…
Foi isso então: Mick quis se dedicar mais à sua carreira solo – e ainda começou a implicar quando, mais sóbrio, Keith começou a dar palpites no destino da banda. “A frase que Mick costumava usar naquela época e que continua ressoando nos meus ouvidos até hoje é: “Cala a boca, Keith”. Aí a coisa realmente desandou. “Deve fazer uns vinte anos que eu não vou ao camarim dele”, confessa. Entre outras coisas (a referência ao tamanho do órgão sexual de Mick é muito sutil), Keith chama Mick de desconfiado, traidor, artificial, e ainda o acusa de ter perdido seu ritmo natural: “É quase como se Mick estivesse aspirando a ser Mick Jagger, correndo atrás do próprio fantasma”.  Mas ele não odeia o companheiro… Sério! Aqui vai sua explicação:
“Talvez Mick e eu não sejamos amigos – nosso relacionamento está muito desgastado para isso -, mas somos os irmãos mais chegados, e esse é um vínculo que não pode ser cortado. Como você pode descrever uma relação tão antiga? Melhores amigos são melhores amigos. Mas irmãos brigam”.

2 comentários:

  1. Encomendei webisticamente by Submarino, o meu exemplar semana passada.

    sandovas

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  2. Já chegou? Quando chegar, posta, ou melhor, bosta!

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