quinta-feira, 4 de agosto de 2011

DO HD

Tenho dez anos. Minha irmã manda gravar Forever and Ever, do Demis Roussos, vou buscar a fita no Harry Wildner, mandava-se gravar uma música somente, e quando o dinheiro dava, um lado inteiro. Naquele dia morreu o marido da irmã da minha mãe, o Tim, Heron Borges de Almeida, num acidente com o ônibus que ele dirigia. Deixou a viúva e dois filhos pequenos, que ajudei (+ou-) a criar. No fim do dia, depois do enterro, lembrei da fita, coloquei no gravador e torci o pescoço da chave até o Play. As pilhas já estavam pra lá de judiadas, assim o som ficou lento e variante, e os vocais soaram fantasmagóricos, aumentando a melancolia do momento. Eu queria alegrar todo mundo, animar o pessoal. Não foi a melhor das tentativas. Minha mãe pegou o aparelho das minhas mãos e colocou em cima do guarda-roupa, dizendo: "Não, hoje não".

Um outro dia, encontro uma grande lata nas coisas da minha avó Nenê, que mora com a gente. Dentro, um quepe de oficial do ex ército, provavelmente de meu avô, já falecido. Não tive dúvidas, fui mostrar pra turma. Idiota. Chego no campinho, o maiorzão arranca o quepe verde-oliva da minha cabeça e começa a fazer gracinhas para os outros. Tento pegar de volta, só piora tudo. Fazem uma roda de bobo com eu no meio, e não devolvem. Pessoal era filho da puta mesmo. O grandão covarde pega sua bici e corre pra casa com o quepe. Os outros ficam zombando, ainda por cima. Não tenho dúvidas. Vou até a casa do cara e boto a boca no mundo: UAAAAAAAAAAAAAAA eu quero meu QUEEEEEPEEEEEE!!!!! Berro tanto que de repente sai o avô dele numa janela, dizendo: O que esse piá de merda quer? Dá pra ele essa merda de quepe! O big shot, que se pelava de medo da mãe, disse que não estava com ele, que nunca viu quepe, nem sabe o que é isso. A mãe dele pisca o olho pra mim, acostumada com o bicho que tinha em casa, me diz pra voltar pra casa que depois ele vai entregar. Batata, meia hora depois, apareceu o boneco, me devolveu o quepe, não sem antes arrancar um botão da divisa e me prometer uma surra. Coloquei o maldito quepe no lugar, a surra não era nada, eu não podia era pensar na minha avó abrindo aquela caixa de metal e não achando a lembrança do vô Vicente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário