quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

HARRY E MABEL

Harry e Mabel são duas cadeiras.
Viveram juntos por muitos anos, na beira da piscina, não sei de quem, 
conheciam todos os passarinhos, viram o sol riscar o céu tantas vezes, 
ouviram sem entender direito as conversas e piadas daquela gente que 
sentava neles. Com a dança das estações, passam calor no verão, morrem 
de frio no inverno, encaram a umidade na primavera e os outonos secos, 
e assim o casal ficou com a superfície ressecada e sem cor. Um dia, 
Harry não aguenta o peso de seu dono e suas ripas, judiadas pelo tempo 
no tempo, cedem com o peso. No outro dia pela manhã, Harry é levado 
aos pedaços para o lixo. Passei por ele quando saí de casa, simpatizei 
com a figura, mas os pedaços quebrados e peças faltando me 
desestimularam. Segui em frente. Dois dias depois, ao buscar o jornal, 
deparo com outra cadeira: Mabel estava junto dos contentores de lixo, 
com a perna quebrada. E o coração: durou poucas horas sem seu amado. 
Epa, essa eu consigo consertar. Recolhi a cadeira, e com cola e dois 
grampos a fratura reduziu-se a nada. Estava como nova, afora a 
pintura. Lastimei por não ter recolhido a primeira, poderia reproduzir 
as peças que faltavam e formar de novo o casal. Dias depois, já na 
chácara, preciso "descer" para a cidade, e adivinha? Chego na garagem 
do prédio, lá está, deitadão na calçada, junto ao lixo, o Harry! A 
faxineira recolhe o material que não está ensacado e guarda essas 
coisas até o sábado, quando o caminhão da coleta seletiva recolhe o 
lixo seco. Pimbaaaaa! Uma hora depois Harry já está no bloco 
cirúrgico: Com um pé de uma mesa velha que comprei num brique e 
transformei numa bancada, cortei o contraforte, onde se fixam as 
ripas. Estas eu tirei de uma tábua de uma caixa de ipê quebrada que 
herdei do seu Julius Korn (Korn!) - o mais talentoso carpinteiro que 
já se viu nestas estâncias, suas portas e janelas funcionam 
perfeitamente após 60 anos, podem conferir no Quiosque da Praça em 
Santa Cruz do Sul - e ainda tirei peças de pinho de uma embalagem de 
um ar condicionado chinês, portanto hoje até o Harry é Made in China. 
Eles estão juntos novamente, os passarinhos são outros, receberam uma 
boa camada de verniz e voltarão a ouvir conversas e piadas, sem 
entender nada, pois eu não falo cadeirês.

2 comentários:

  1. ôpa! Bela história Renato, gostei do desfecho. Quem sabe nas férias eu apareço para um dedo de prosa e um chopps com vocês, numa sombra junto ao Harry e a Mabel.

    sandoval

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  2. MAS BÁ! A cerveja tá gelada e a churrasqueira ligada desde AGORA! Ameaçou, tem que cumprir!

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