Harry e Mabel são duas cadeiras.
Viveram juntos por muitos anos, na beira da piscina, não sei de quem,
conheciam todos os passarinhos, viram o sol riscar o céu tantas vezes,
ouviram sem entender direito as conversas e piadas daquela gente que
sentava neles. Com a dança das estações, passam calor no verão, morrem
de frio no inverno, encaram a umidade na primavera e os outonos secos,
e assim o casal ficou com a superfície ressecada e sem cor. Um dia,
Harry não aguenta o peso de seu dono e suas ripas, judiadas pelo tempo
no tempo, cedem com o peso. No outro dia pela manhã, Harry é levado
aos pedaços para o lixo. Passei por ele quando saí de casa, simpatizei
com a figura, mas os pedaços quebrados e peças faltando me
desestimularam. Segui em frente. Dois dias depois, ao buscar o jornal,
deparo com outra cadeira: Mabel estava junto dos contentores de lixo,
com a perna quebrada. E o coração: durou poucas horas sem seu amado.
Epa, essa eu consigo consertar. Recolhi a cadeira, e com cola e dois
grampos a fratura reduziu-se a nada. Estava como nova, afora a
pintura. Lastimei por não ter recolhido a primeira, poderia reproduzir
as peças que faltavam e formar de novo o casal. Dias depois, já na
chácara, preciso "descer" para a cidade, e adivinha? Chego na garagem
do prédio, lá está, deitadão na calçada, junto ao lixo, o Harry! A
faxineira recolhe o material que não está ensacado e guarda essas
coisas até o sábado, quando o caminhão da coleta seletiva recolhe o
lixo seco. Pimbaaaaa! Uma hora depois Harry já está no bloco
cirúrgico: Com um pé de uma mesa velha que comprei num brique e
transformei numa bancada, cortei o contraforte, onde se fixam as
ripas. Estas eu tirei de uma tábua de uma caixa de ipê quebrada que
herdei do seu Julius Korn (Korn!) - o mais talentoso carpinteiro que
já se viu nestas estâncias, suas portas e janelas funcionam
perfeitamente após 60 anos, podem conferir no Quiosque da Praça em
Santa Cruz do Sul - e ainda tirei peças de pinho de uma embalagem de
um ar condicionado chinês, portanto hoje até o Harry é Made in China.
Eles estão juntos novamente, os passarinhos são outros, receberam uma
boa camada de verniz e voltarão a ouvir conversas e piadas, sem
entender nada, pois eu não falo cadeirês.
ôpa! Bela história Renato, gostei do desfecho. Quem sabe nas férias eu apareço para um dedo de prosa e um chopps com vocês, numa sombra junto ao Harry e a Mabel.
ResponderExcluirsandoval
MAS BÁ! A cerveja tá gelada e a churrasqueira ligada desde AGORA! Ameaçou, tem que cumprir!
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