Mas vim aqui falar outra coisa:
Pois esse cara, o ex-amigo, tinha uma louca necessidade "pra desopilar", como ele mesmo dizia, de esculhambar aos gritos com qualquer serviçal que vacilasse um pouquinho que fosse. O ascensorista errava o andar, o garçom demorava um pouquinho e ele começava a berrar com o carinha:
- Tu é um amador! Que merda é essa aqui? Tu tinha que tar pedindo esmola na rua, vagabundo de merda! Não sabe fazer nada direito!
Sabe os bundamoles que as pessoas dizem ter "personalidade forte"? Pois eu digo que é "sem personalidade" pois o cara é dominado pelos seus instintos, não domina a própria mente, nem a boca, nem nada, é um marionete na mão de suas glândulas. Quem diz o que pensa, não pensa.
Por mim, tudo bem, era uma época em que eu não ligava pra mim, por consequência pro resto do mundo.
Até que ele resolveu desentalar o tronco que ele tem atochado no cu com a minha pessoa.
Imagina, tu ir pra um encontro de amigos, tomar uma cervejinha, dizer umas bobagens a balofe e ter um pentelho querendo achar o mínimo peidinho da incoerência só nas coisas que TU diz! Os outros podiam falar que o céu era vermelho e duendes existem (duendes não existem, as fadas inventaram essa história de duendes), mas o cara ficava esperando eu abrir a boca pra me esculachar. Poxa, vai viver a tua vida mané, vai cuidar das tuas mulheres, vai, poxa, tu quer todo o direito de viver como quiser mas não permite que eu abra a boca?
E eu realmente não esperava, fiquei sem reação. Não consigo me defender de imediato, não tenho esse gene ninja desenvolvido, seiláoquê. Fiquei triste, vi que eu não servia mais pra ser amigo, já que eu não dizia mais "sim senhor" o tempo inteiro. Comecei a me afastar das pessoas ainda mais, o meu trabalho diminuiu de produção. Ainda hoje não é fácil superar essa puta falta de sacanagem, esse cara me conhecia bem e acertou na veia, era exatamente isso que eu ouvia em minha casa: Tu tá viajando com essas idéias, isso não leva a nada, tu tá louco, onde já se viu pensar uma coisa dessas... era o meu leite com Nescau da infância. As idéias são o meu ganhapão (tem hífen?), são a minha Asgard, eu não tenho muita coisa além delas. Eu realmente não esperava encontrar nessa altura da vida alguém com tempo e energia para se dar ao trabalho de deprimir alguém de propósito, por gosto, ou como dizia minha pequena: "Pulu goto". E de mais a mais, quem esse imbecil pensa que é? Podia ser como um irmão mas não era parente. Nunca tente ser parente de alguém que você não é.
Aliás, o cara virou um saco, queria ser o número um em tudo, inclusive em coisas pras quais não tinha o menor jeito. De um momento pro outro ganhou uns niclas já começou a achar que ninguém além dele sabia nada, ele era o comedor, o foda, só ele conhecia as boas piadas, ou seja, um pé no saco de primeira grandeza.
Eu um dia me dei conta de que o negócio é a seguinteira:
Nunca tente ser mais comedor que o comedor, mais piadista que o piadista ou mais atleta que o atleta, mais forte que o forte da turma, e por aí vai. Querer tocar melhor a guitarra do que o cara que já toca todas as confirmadas, é melhor não, seu Renato, larga a Fender, isso, bota ali em cima da caixa, pronto, pronto. Pega esse chocalho aqui, ó.
Infelizmente nem todo mundo cai na real. Eu me dei conta de quanto sofrimento já aspergi e continuo agindo como um sprinkler de bosta nesse mundo, e quem sou eu pra dizer se alguém tá certo ou errado? Só que o caso aqui tem relação com a minha EUSSOA. Aí não, Albertão.
Eu conheço esse bosta desde piá, do skate, a gente andava na calçada da prefeitura e as rodas faziam tretec-tretec. Ele tinha um pai que era pau-no-cu profissional, descontava as frustrações berrando a todo pulmão contra um guri de doze anos, é foda mesmo. Em compensação, sua mãe, que já nos deixou, era muito carinhosa e fã incondicional do filho. Ela tinha muito orgulho dele, que foi muito doente na infância e sobreviveu a muito custo.
Eu havia trabalhado pra ele, e eu sempre tinha uma palavra amiga e de incentivo pra dizer pro cara. "Vai lá, toca ficha "play fish", como a gente dizia. Tu vai conseguir, vai nessa!
Mesmo se a situação fosse uma bela merda. Eu considero esse cara a pessoa mais inteligente que eu já vi. Ele cativa todos à sua volta, a mim repeliu.
Quando comecei a trabalhar na empresa do cara, só havia o turno da tarde, era uma vagabundagem, nem o dono nem funcionários queriam fazer lhufas. Me voluntariei a fazer os turnos, manhã tarde e um tanto da noite pelo mesmo salário. Os prazos começaram a ser cumpridos, os clientes pararam de reclamar, a empresa cresceu e aí, num acesso de raivinha, ele me botou pra rua.
Detalhezinho mixuruca: Atendíamos um posto de gasolina e o pagamento era em combustível, foi tratado que todos abasteceriam sem cobrança. Quando foi me pagar o que devia, descontou a gasosa. Putz, foi quase 30% do valor. Bicha mesquiiiiiiiiiinha!
Se alguém sabe como se escreve "trouxa" em japonês, avisa o meu tatuador, tá? Ele ficou de escrever na minha testa.
Baita cuzão. A situação se repetiu várias vezes, aí cortei relaçães e ele que não cruze o meu caminho se não for bem homem. Eu também tenho o direito de desopilar ou não?
Ei! Eu não consigo controlar meu pé! Ele está chutando sozinho a tua boca! Socorro!
Escuta, o que eu fiz pra esse cara pra ele querer me botar tão pra baixo? Eu nunca estive tão lá em cima, faz favor. Nos últimos tempos eu nem olhava pro lado da pinta, por que me escolheu? Me erra! Vai provocar o teu sofrimento de todo dia em outra esquina, sai da minha aba!
Fica a lição: Dê dinheiro, dê tempo, dê até a bunda, mas não dê intimidade para as pessoas, elas realmente não sabem o que fazer com tão precioso bem.
Se eu fosse realmente inteligente, eu esquecia tudo isso, simplesmente porque não há solução.
Obrigado, cara, tu me ajudou muito mais do que tu imagina.
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